segunda-feira, 11 de novembro de 2013

SONHOS III

SONHOS III

Escrito por: Victório Anthony



            Era véspera de natal, ele chegou naquela casinha bem humilde com um pacote escondido atrás das costas e chamou com um grito:

            — Alguém em casa?!

            Uma senhora baixinha, de cabelos desgrenhados, roupa suja por ter preparado o almoço, atendeu ao senhor. Com olhar curioso, perguntou:

            — O que deseja?

            — É aqui que mora o menino?

            — Sim senhor, ele é um menino direito e não fez nada, eu juro!

            — Por favor, não me leve a mal, ele realmente não fez nada. Eu só gostaria de falar com ele por alguns minutos, vou ser rápido.

            Desconfiada, a mulher manteve os olhos naquele estranho e chamou por seu filho:

            — Menino! Venha cá! Tem alguém que quer te ver!

            O menino, com uma camisa sem mangas desproporcional ao corpo magrelo, shorts acima dos joelhos e chinelos de dedo nos pés com uns dez anos veio correndo, um pouco hesitante de certo, com medo de ser uma bronca da velha mãe.

            — Que foi mãe? — Perguntou, com os olhos arregalados.

            — Esse moço disse que quer falar com você. Olha lá, hein?! Se você aprontou uma, vai levar um pisa!

            — Não mãe, eu juro, eu não fiz nada! — Seus olhos ficaram úmidos, como se estivesse sentindo as dores da última surra que levara por ter quebrado uma janela da vizinha enquanto brincava.

            — Por deus! Não estou aqui para acusar ninguém! — Exclamou o sujeito preocupado.

            Encarando o silêncio, ele respirou fundo, relembrando o que precisava dizer e continuou:

            — Você que é o menino?

            — Sou eu, mas eu não te conheço senhor.

            — Hahah, não, você não me conhece. Poderia vir até aqui?

            O menino obedeceu, sentindo-se confuso e curioso ao mesmo tempo.

            — Foi você que mandou... — e tirou do bolso um papel dobrado. — ...esta cartinha pro Papai Noel?

            A mulher ficou intrigada:

            — Menino! E você ainda acredita nessas besteiras?! Papei Noel não existe!

            A criança, sem dar ouvidos às descrenças da mãe, afirmou balançando a cabeça. O moço prosseguiu:

            — Você disse que neste natal você queria duas coisas. Bem, uma delas está aqui... — e mostrou o pacote. — Vamos, abra!

            Rasgou o embrulho com os dentes de tão ansioso. Seus olhos brilharam com a redonda surpresa:

            — Uma bola!

            O homem sorriu:

            — Você disse que a bola que você brinca com seus amigos não era uma bola de verdade, uma bola de pano que não pula direito. Pois bem, Papai Noel me mandou te trazer a sua bola!

            Com certa dificuldade, o garotinho tentou algumas embaixadinhas:

            — Viu mãe! Papai Noel existe!

            — Valha-me Deus! — disse com surpresa, sentindo-se constrangida por ter pensado daquela forma. — Agradeça ao moço filho.

            — Obrigado moço — seu sorriso de satisfação cheio de dentes era imenso.

            — De nada menino. Sabe, precisamos de mais pessoas que acreditem nesse país, no futuro, que coisas boas podem acontecer — colocando a mão na cabeça do garoto, aconselhou. — Nunca deixe de acreditar! Mesmo que não seja o Papai Noel que venha entregar o seu presente!

            — Pode deixar! — O menino correu para perto da mãe. — Olha mãe!

            — vendo filho — meio chorosa, a mulher se aproximou da porta e conversou baixinho, deixando o filho brincar com a bola nova. — Obrigada, moço. Meu menino queria muito ganhar uma bola nova e eu não sabia o que fazer. Meu marido está preso, acabou se envolvendo com os traficantes e foi levado pra cadeia. Eu não acreditava mais no Natal, mas o senhor foi mandado por Deus pra trazer esse presente pro meu menino.

            O homem desconversou, um pouco acanhado, havia mais para dizer:

            — Bem, o seu filho não é o único que merece ganhar presente...

            — Ué? Mas eu não mandei nenhuma carta pro Papai Noel...

            — Heheh, não precisou. Veja com seus próprios olhos — ele virou-se para trás e gritou para alguém no carro. — Pode vir!

            — Não pode ser...

            Do carro daquele senhor, saiu o marido da senhora. Ela não o via há meses e chegou a pensar que algo ruim acontecera a ele na cadeia. Com tanta gente ruim reunida no mesmo lugar, a possibilidade de um homem pobre conseguir sobreviver ileso era muito pouca. Pessoas humildes como eles, por mais que continuem vivendo, se conformam com o que não podem mais ter.

            — Filho, é o seu pai! Seu pai voltou!

            — O quê? Papai voltou? — a bola caiu no chão enquanto o menino saiu correndo.

            Os três se abraçaram entre felicidade e lágrimas, não havia palavras para descrever a emoção daquele reencontro familiar.

            O pai do menino olhou para o senhor que tornou tudo possível:

            — Como posso agradecer?

            O moço sorriu:

            — Não falte ao trabalho, você começa segunda-feira depois do ano novo. Até lá, aproveite pra ficar com a família. E não precisa dizer mais nada, espero que esse natal seja o melhor todos!

            — Será... Prometo, pela minha esposa e pelo meu filho que será o melhor natal de todos.

            — Hahah, assim espero!

            O menino parou um instante, pegou a bola e a entregou ao senhor que a lhe dera:

            — Toma, é pra você... Tudo o que eu mais queria era que meu pai voltasse, não preciso mais da bola.

            — Você é realmente um garoto muito especial — ele se ajoelhou para ficar na mesma altura que o menino. — Me faça um favor... — O garoto olhou com atenção. — Guarde ela pra mim? Ah! E não se esqueça de brincar muito, mas muito mesmo com ela!

            — Eu... posso?


            — Claro! — E devolveu a bola. — Bem, eu preciso ir. Tenham um feliz natal!

            — Ah, mas já?!

            — Hahah, eu preciso ir, tenho meu próprio natal para cuidar.

            Sem mais, o senhor voltou ao carro e o motorista começou a dirigir. Ali, seu filho adotivo o esperava:

            — Pra quê tudo isso pai?

            — Pelo mesmo motivo que adotei você, oras! — riu-se um pouquinho.

            — Mas ter procurado saber quem era o pai do menino, pagar a fiança, dar um trabalho a ele e ainda presenciar essa cena toda? Não saiu um pouco caro ou exagerado demais?

            — Talvez... Mas valeu a pena, uma família a mais acredita no futuro agora, não há nada melhor que isso. Aliás... — ele tirou um pacote de uma bolsa escondida no porta-malas. — Isso é pra você, feliz natal.

            — Eu não pedi nada... — e desembrulhou o pacote que continha dois livros. — “Crônicas dos Senhores de Castelo” e “O Alquimista”?

            — Você pode não perceber o significado a princípio, mas quando chegar o momento certo, eles se revelarão melhores do que você pode imaginar!

            — Ahn... Pai?

            — Sim?

            — Lê pra mim?

            — Hahaha, claro!

            Aquele foi um natal perfeito...


...

Uma palavrinha do autor...


A situação desta história pode ser exagerada, no entanto, os Correios convidam há mais de 20 anos que pessoas comuns façam o papel de Papai Noel para diversas crianças que escrevem suas cartinhas ao bom velhinho. Gostaria de participar?

Para mais informações, acesse:

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