SONHOS II
Escrito por Victório Anthony.
Um
jovenzinho com cerca de treze anos brincava sozinho no pátio do orfanato. Por
ser velho demais para ser adotado, os garotos menores faziam gozação dele,
deixando-o irado. O pobre coitado, tentando acreditar que havia esperanças, que
ainda poderia ser adotado, partia para a briga, socando tanto quanto podia os
órfãos menores. Os monitores e os outros funcionários do orfanato conheciam
esse seu lado ruim e evitavam-no sempre que podiam:
— Ele nunca
será adotado... — diziam todos eles pelos cantos, deixando o pequeno órfão mais
triste.
Pouco antes,
outro órfão resolvera desafiá-lo:
— Ninguém te
quer! Nem seus pais te querem! — gritou em nome de seus outros colegas.
Com o
coração apertado, ele rangeu levemente os dentes, semicerrou os olhos com
desprezo e, num salto, deu um soco direto na boca do menino de oito anos. O
garotinho menor começou a gritar, chorar e espernear, avisando os responsáveis
naquele momento sobre o que acontecia. Os dois foram separados, o que ofendeu
foi levado às pressas para a enfermaria, perdera um dente; o ofendido foi
deixado no pátio, ali não poderia machucar ninguém enquanto os funcionários
organizavam a bagunça.
Suas mãos
ardiam, sabia se defender muito bem, só não entendia o porquê daquela dor.
“Será que
sempre vai doer?”
Olhou ao
redor e viu o portão do orfanato. Pensou consigo mesmo:
“Se
estivesse aberto eu fugiria...”
Uma leve
brisa soprou, balançando suavemente a porta. Ela estava aberta.
“Será
que... Eu posso?”
Levantou-se
e foi andando de fininho. Avistou alguém passando pelo corredor do orfanato e
correu para fora:
“Essa é
minha única chance!”
Abriu o
portão e, sem perceber, trombou com um homem que estava entrando:
— Você está
bem? — Perguntou o senhor vendo o jovenzinho caído no chão e lhe estendendo a
mão.
Assustado,
o órfão engatinhou para trás.
— Vamos lá,
deixe me levantá-lo, não vou te morder...
Em
silêncio, o pequeno estendeu a mão aceitando a ajuda.
“Ele é
jovem demais pra adotar, sem contar que está sozinho”, concluiu.
— Me
desculpe por antes, não sabia que tinha alguém atrás do portão...
O menino
sentiu vergonha, iria fugir se a tentativa não tivesse sido frustrada e não
sabia como reagir, aquele senhor poderia contar ao diretor do orfanato e
encrencá-lo ainda mais.
— Você vai
ficar calado o tempo todo? — O garoto permaneceu quieto, sem olhar para o
homem.
O adulto
pôs a mão no bolso tirando um saquinho de balas e ofereceu ao jovenzinho que
pareceu aceitar. Ele se lembrou de ter ganhado algo como aquilo antes, segurou
com força, amassando as balas macias e atirou o pacote longe.
— Ei!
Porque fez isso? Só estou tentando ser gentil, sabia?!
O menino
virou o rosto, estava indignado, a última vez que havia recebido um presentinho
daqueles, lhe prometeram que iria ser adotado logo e, oito anos depois, nada,
continuou sem uma família.
“Por quê?!
Por que eles fazem promessas e eu sou o único que nunca será adotado?!
— Você...
Você se sente sozinho? — Perguntou o sujeito.
O jovenzinho
olhou para ele por um instante e virou-se novamente para as árvores do jardim.
— Pelo
visto, isso é um sim...
Aquelas
palavras deixaram o pequeno órfão irritado e saiu de perto daquele homem.
Porém, antes que ele conseguisse se afastar, ele foi segurado pelo braço:
— Por
favor, não vá... Você ainda não disse nada... Por um acaso, você é mudo?
— Não... Me
deixe em paz!
— Espere!
Eu não conheço o lugar, poderia me mostrar?
— Argh! — Grunhiu
de raiva. — Certo, eu mostro! Mas não espere nada de mim!
— Tudo bem,
obrigado — respondeu com um sorriso amigável.
O primeiro
lugar em que passaram foi os dormitórios compartilhados, os dos meninos
construídos a direita e os das meninas a esquerda, podendo serem ocupados por
até trinta pessoas no total.
— É aqui
que você dorme? É bem espaçoso...
— Podemos
sair daqui, as camas são muito pequenas pra mim...
A área de
recreação:
— Muito
interessante, você fez alguns desses? — perguntou o senhor olhando para os
desenhos.
— Ah, qual
é?! Eu vou pra escola! Meus desenhos estão lá!
— Desculpe,
só pensei que poderia haver algum seu aqui... Você não traz nenhum?
O pequeno
respirou fundo, pegou um banquinho e tirou uma pasta de uma prateleira no alto.
— Estes são
os meus... — disse, sem muito interesse.
— Olha só,
são muito bons! Por que não estão expostos como os outros?
— Eu não
sou como os outros... Vamos para o próximo lugar! Minha paciência está se
esgotando!
— Tudo bem,
eu acho...
Passaram
pela cozinha e refeitório:
— Lugar
bacana esse...
— Tudo
feito pra criancinhas!
E por fim,
a diretoria:
— É tudo
que tem pra ver aqui... — avisou com rispidez. — Você veio pra trabalhar ou pra
deixar alguma doação?
— Na
verdade, eu vim adotar uma criança...
— Se este é
o caso, temos poucas, a última menina foi adotada no mês passado e os poucos meninos...
Bem, uns dois eu mandei pra enfermaria e o outro, bem, esse eu não sei, deve
ter fugido ou levado pro reformatório, onde eu devo ir em breve, não sei. Se quiser
alguém terá de esperar os próximos que forem mandados pra cá, ultimamente esse
lugar tem ficado uma bagunça, é gente correndo pra cá, são os meninos sendo
levados pro pronto-socorro por causa de um simples dente. É isso...
E
dirigiu-se pro dormitório sem dizer mais nada. O senhor o seguiu e o encontrou
deitado na cama, choroso:
— Está tudo
bem?
— O que
você quer? Ninguém te avisou que eu nunca vou ser adotado?! Que eu sou velho
demais pra ser adotado e ficar no orfanato? Saia daqui! Não aguento mais te
ver... — Sem conseguir continuar, afundou a cabeça no travesseiro chorando.
— Se esse é
o problema, eu não me importo... Eu vim aqui pra adotar alguém como você,
alguém que não fosse muito difícil pra um solteiro cuidar. Você... Gostaria de
ser meu filho?
“Eu ouvi
direito?”, perguntou-se o jovenzinho.
—
Hahahah... — começou a rir desvairadamente. Ao passo que ele ria, lágrimas
desceram pelo seu rosto e, de uma hora pra hora, o riso se transformou em
choro.
— Não
chore, vai ficar tudo bem — e o abraçou. — Você não está sozinho...
...