CAPÍTULO 01 - MESSIAH
Escrito por: Lincoln Berlick
Revisto e editado por: Victório Anthony
Era noite e, assim como todas
as outras noites, pensei que minha vida continuaria com a habitual monotonia. Eu não sabia, não
até aquela noite, eu nem poderia imaginar, afinal, isso não era possível, nada
disso deveria ser possível...
...
Desde
criança tive uma vida solitária, tudo sempre me pareceu maçante e sem graça. Nunca tive
muitos amigos... Não, na verdade, nunca tive amigos, apenas colegas de classe.
Aos doze anos recebi o diagnóstico de “gênio” e me transferiram para uma escola
de superdotados rígida e meticulosa, o que só dificultou ainda mais minha
capacidade de me relacionar. Durante toda minha vida fui solitário, não por
opção, não havia nada que realmente me agradasse. As pessoas eram tão comuns,
repetitivas e às vezes tão insuportáveis, sempre presas ao seu mundinho em que
pensam ter tudo. Mas isso estava para mudar, naquele tempo eu finalmente havia
decido que iria falar com Aléxis, a garota mais linda do mundo. Inesperadamente, por
alguma coincidência do destino, no mesmo dia conheci Pedro. Ele apareceu do
nada, conversamos um pouco e despretensiosamente ele me pareceu ser
insubstituível, mudando totalmente o meu rumo.
Logo que
conheci Pedro descobri que ele também era um “gênio”. Bem, ele era tão...
Legal, não sei, seu jeito de pensar incomum, suas ideias malucas, com ele tudo
era diferente. Nossas conversas eram extremamente complexas e, por mais que
possa parecer estranho, eram como se fossem conversas de pessoas normais. Ele
não se detinha em assuntos de futebol ou mulheres, ele ia além.
Como eu
dissera, fui transferido para uma escola de gênios. Contudo, todos ali pareciam
tão... Medíocres, insuportáveis, presos a seus egos, limitados ao que almejavam
“conquistar” com seus supercérebros...
Triiinnn...
Enfim o
relógio havia tocado, estava no horário para me levantar. A hiperatividade não
me deixava dormir e, quando conseguia, sofria com estranhos pesadelos em que eu
me via lutando contra demônios e seres obscuros.
Levantei-me
sôfrego da cama, me arrumei para sair e parti para a escola. Pelo caminho,
encontrei-me com meu amigo:
— Bom dia,
Sebastian — disse-me ele.
— Bom dia,
Pedro.
Ele me
encarou por alguns instantes antes de prosseguirmos:
— Juro que
ainda vou descobrir o que você faz à noite...
— Como
assim?
— Você está
todo quebrado, com cara de quem não dormiu. Espere! O que é esse roxo no seu
braço?
— Nada, me
deixe em paz...
“Quem acreditaria nos sonhos que tive?”
— Você por acaso
é um super-herói que luta contra o mal durante a noite? — perguntou-me.
— Eu apenas
caí da cama e não consegui voltar a dormir...
— Heh, para
um supergênio você tem umas desculpas bem esfarrapadas.
Tentei
mudar de assunto:
— E aí? O
que vai ser hoje? Estava pensando em ir comprar alguns livros na Paulista para
nossa viagem.
— Meu,
nossa viagem é daqui a dois meses! Você vai ler todos eles antes disso e outra,
vamos viajar para Grécia, cara! Não estou a fim de passar os melhores dias da
nossa viagem de férias trancado no quarto lendo e, por favor, lembre-se de
deixar seu espírito antissocial aqui no Brasil!
— Fale sério,
Pedro. Não sou tão antissocial assim!
— Não é
tanto assim?! — perguntou ele, surpreso. — E aquela vez que você saiu correndo
da apresentação do Charlie Brown Jr. só por que o lugar estava cheio? E você
adora o vocalista! Imagino como será quando visitarmos o Parthenon...
— Não foi
por isso... Já te disse que passei mal, tive uma sensação ruim. Pode ser difícil de entender, mas parece que meu coração apertou. Senti angústia, tristeza
e desespero, tudo junto!
— Ainda
acho que você saiu correndo por que viu a Aléxis aquele dia. Falando nisso,
você viu como ela está ultimamente? Parecia que ela estava preocupada com
alguma coisa. Você bem que poderia ter aproveitado a chance e ido falar com
ela, amparar a sua querida amada — ele se abraçou, fazendo de conta que estava
beijando alguém.
— Ela nem
sabe que eu existo...
“É triste amar e não ser compreendido.”
— Que seja,
mesmo assim, espero que você esteja bem satisfeito. Aquele foi o último show do
Chorão em São Paulo e ele morreu pouco tempo depois. Eu espero, de coração, que
você se lamente MUITO por isso.
— Você não
entende... De alguma forma eu sabia que ele não estava bem, sabia que algo iria
acontecer — naquele instante, havíamos chegado à porta da escola. — Deixemos de
conversa, vamos para a aula!
Cada um foi
para a sua sala e, assim que me sentei, o professor começou:
— Sei que
muitos de vocês já estão muito bem encaminhados para ótimas universidades, mas
quero que entendam o que você... — ele olhou diretamente para mim. — ...vocês,
aprendem com o dia-a-dia é o que vai torná-los pessoas melhores e bons
profissionais. O que torna todos vocês gênios não é a habilidade de raciocínio,
nem a capacidade de entender problemas complexos, e sim como reagem as mais
diferentes situações e problemas que a própria vida lhes impõe.
O professor
Tico sempre começava dando aulas de moral, ele era meu professor favorito. Ele
prestava aulas de história e me parecia que ele estava lá, que presenciou todas
as histórias que ele lecionava. A escola possuía ótimos professores, entretanto,
ele era diferente, ele tinha paixão pelo que fazia, podia-se perceber
claramente que ele amava história. Naquele dia ele estava particularmente
estranho, inquieto. E continuou:
— Quero que
todos deixem a escola compreendendo que nada na vida é eterno, exceto o íntimo
de nossa existência. O que deixamos aqui é o que iremos aproveitar um dia, pois
tudo isso permanecerá agregado ao valor de nossas almas.
“Para um professor de história deve ser um
problema discutir sobre religião, ser imparcial e ao mesmo tempo apoiar a
todos.”
Ele estava
diferente aquele dia, o professor não estava expressando uma opinião como de
costume, estava expondo seu próprio ponto de vista, falando o que ele realmente
pensava. O resto da aula foi um debate entre opiniões sobre as religiões. Estava
interessante até o professor abrir um novo assunto para os alunos. A partir daí
comecei a ouvir aquele velho clichê de evangélicos contra católicos, católicos
e evangélicos contra espíritas, cada um com uma frase ou citação tão velha e
conhecida quanto o próprio hábito religioso.
A próxima
matéria era trigonometria, nada muito complicado. Durante aquela aula eu vi Aléxis, ela me pareceu muito agitada, preocupada. Num determinado momento, ela
olhou para mim. Eu fiquei congelado, atônito, paralisado, Aléxis estava olhando
para mim! Justo eu, um Zé ninguém! A garota mais bonita da escola estava
olhando para mim!
“Ela deve estar fora de si, não há outra
possibilidade! Por que ela teria vontade de olhar para mim?
Ela foi se
aproximando, vindo na minha direção.
“Calma! Respira! Ela não está olhando pra
você, muito menos vindo na sua direção, ela...”
Olhei pra
trás.
“Droga!”
Não tinha
ninguém atrás de mim! Fiquei desesperado.
“Ela não poderia, poderia?”
— Olá, Sebastian!
— disse ela sorrindo. E, com essas duas palavrinhas, ela me derrubou.
Assim que
me recuperei, pude responder:
— Olá, Aléxis.
“Isso é patético. A garota que você adora vem
falar com você (fazendo seu coração disparar) e tudo que você consegue dizer é ‘Olá’?”
— Como sabe
meu nome? — perguntou ela.
“Por que eu sou maluco por você, te acho muito
gata, sei que número você calça, em que lugar você se senta, que é muito boa em
educação física...”
— Vejo seus
amigos te chamarem assim, só isso...
— Você é
amigo do Pedro, certo?
— Sim, sou.
Por quê?
— Você sabe
onde ele está? Preciso falar com ele, é
urgente.
“Por que diabos ela está procurando ele? Por
que ele está querendo falar com ela? E desde quando ela fala com ele?”
— Não, não
sei. Não o vejo desde que nos separamos no início das aulas, mas logo que ele
aparecer eu lhe aviso.
Ela
retornou ao seu lugar parecendo um tanto quanto aflita, o que só me deixou mais
intrigado. Passei então a procurar pelo Pedro também.
“Preciso falar com ele, pedir uma explicação
razoável, entender o que está acontecendo, socar a cara dele, quero... Por que
diabos ele iria esconder isso de mim?! Ele sabe muito bem o que sinto por ela!”
Definitivamente,
precisava encontrá-lo.
Procurei
por ele durante todo o intervalo. Pensei bem e não estava mais zangado com ele,
pra falar a verdade, comecei a ficar preocupado também. Ele não desgrudava de
mim, estava sempre ao meu lado desde que nos conhecemos.
“Algo está acontecendo e eu preciso descobrir.”
Voltando
aos estudos, acabei assistindo a aula do professor Levi com certa impaciência.
Não que ela não fosse interessante, a aula dele era muito produtiva caso ele
não se distraia flertando alguma aluna... Enfim, preocupado como eu estava não
conseguia prestar a atenção. No final da aula já estava discutindo comigo mesmo
(sim, eu falo sozinho e às vezes também respondo) se eu deveria entrar em
pânico e procurá-lo onde costumávamos ir ou me dirigir até a casa dele. Assim,
eu reparei em algo:
“Eu não sei onde ele mora! Não sei o nome de
seus pais, não sei quase nada sobre ele... Meu Deus! Nada além do que ele
queria que eu soubesse! O que eu devo fazer agora?
Pensei em
ir até a diretoria e conseguir mais informações, mas hesitei por não gostar da
ideia de me encontrar com ele e em seguida tudo não passar de um equívoco de
minha parte. Resolvi que deveria apenas procurar por ele.
Ao término
das aulas, saí em busca dele, decidi começar pela livraria na seção de livros
de história que ele adorava. Não consegui nenhuma pista lá. Lan House, lanchonete,
sorveteria, shopping, nada... Meu telefone tocou, tirei-o do bolso e me
lembrei:
“Por que diabos eu não tentei ligar para ele?
Cento e oitenta e dois de QI e eu não pensei em ligar para ele?”
Talvez
Einstein estivesse certo: “Só os gênios enxergam o óbvio”. Mais um motivo para
que eu não me considere realmente um gênio.
Atendi ao
celular, infelizmente não era o Pedro, era meu pai. Se eu fosse uma pessoa
comum, eu ficaria feliz em atender. Lamentavelmente, como meu pai não costuma
ser presente na minha vida por ser um grande magnata dos negócios que não se
importa se faria falta ao próprio filho, com o tempo tomei a decisão de que
também não iria me importar com ele.
Encerrei a
ligação, o senhor “ausência” poderia esperar mais um pouco, e imediatamente
liguei para o número do Pedro. Como se não bastasse, o celular estava
desligado. Determinado a encontrá-lo, precisava conseguir o endereço da casa
dele, a escola o tem em seus arquivos e eu conhecia uma maneira mais prática de
obtê-lo.
Cheguei em
casa, liguei o computador e, ao passo que a telinha com meu pinguim preferido
carregava, me lembrei daquele vexame que passei ao só dizer “Olá” para Aléxis:
“Sem comentários...”
Computador
ligado e todos os sistemas operantes, era a hora! Sempre fui precavido e por
isso implantei um exploit* na rede de computadores da escola caso um dia eu
precisasse. Eu nunca havia usado meu conhecimento em informática para obter nada
em beneficio próprio:
“A não ser para conseguir algumas informações
sobre a Aléxis e... Bem, isso não vem ao caso! É a primeira vez que eu o usaria
com um objetivo claramente digno.”
Entrei no
servidor sem nenhuma dificuldade, rapidamente acessei o banco de dados e
consegui a ficha cadastral do Pedro. Interessante dizer que não encontrei
telefone residencial no cadastro, o que me chamou a atenção. Ele entrara para a
escola há pouco tempo, sua ficha deveria estar devidamente atualizada. Aquela
não era hora para pensar naquilo, com o endereço em mãos fui diretamente até a
casa dele.
Chegando lá
tudo que encontrei foi uma casa na periferia da cidade com a porta aberta e,
olhando bem, não me parecia exatamente o tipo de lugar onde uma família feliz
moraria. Aquilo estava ficando cada vez mais estranho, não havia sentido alguém
morar num lugar tão simples e estudar em uma escola de elite para super dotados
tão exigente. Pedro teria que se explicar de um jeito ou de outro.
Subitamente,
sem nenhuma explicação, senti um calafrio, algo me dizendo que eu deveria
voltar imediatamente para a escola. Naquela hora, já estava anoitecendo.
“Essas coisas não fazem sentido algum, nada
está fazendo sentido hoje.”
Conforme
fui me aproximando sentia algo, uma presença, uma sensação ruim que apertava
meu coração. Ao me aproximar do portão, não pude acreditar nos meus olhos, meu professor
de história estava lutando contra outro homem! Não, não era apenas uma luta, era
como um filme de ação frenética, golpes velozes, bloqueios precisos, era uma
cena inacreditável de se ver! O adversário era extremamente rápido,
sobre-humano. E não apenas ele, meu professor também! Em um dos movimentos meu
professor desviou de um golpe que eu poderia jurar que seria certeiro e em
seguida o acertou com um soco de direita, jogando o desconhecido longe. Com
incrível velocidade, alcançou seu oponente e o golpeou novamente. Vi meu professor
tirar uma cruz da cintura, lentamente puxar a base transformando-a em uma
espada, e mirá-la no indivíduo caído no chão. Eu não podia acreditar, um
inofensivo professor de história brandindo uma espada de verdade prestes a
matar outro homem?! Antes que eu pudesse piscar duas vezes, uma força
sobrenatural jogou-o para longe e o separou de sua espada. Aquele que parecia
vencido levantou-se como se a agressão violenta que sofrera há pouco não fosse
nada. Observei algo peculiar em seu olhar:
— Desista profeta,
você não tem chances! Me entregue o garoto!
— Não sei
de quem você esta falando, suma daqui demônio!
“Como assim, demônio?”
Sem que eu
pudesse entender o que ele tinha dito, aquele sujeito fez surgir do meio do
escuro uma espada negra com símbolos em vermelho flamejante. Pensei que aquilo já havia ultrapassado o
limite da razão, que nada mais me surpreendesse, até a espada escura vibrar numa
luminosidade vermelha e, com um movimento perfeito, seu portador brandi-la
formando uma onda de choque poderosa que explodiu sobre o meu professor. Olhei
mais atentamente em meio a fumaça e vi somente um enorme buraco. Procurei pelo
Tico e o avistei no alto, lá estava ele, descendo com sua espada em riste,
pronto para acertar seu oponente, a medida que pude ouvi-lo dizer:
— “O
inimigo se gloriava: ‘Eu os perseguirei e os alcançarei, dividirei o despojo e
os devorarei. Com a espada na mão, eu os destruirei’.” (Êxodo 15, 9)
“Será possível? Ele estava mesmo recitando um
cântico da bíblia?”
Sua espada
respondeu àquelas palavras, brilhando e se intensificando conforme ele pronunciava
o cântico de Moisés. Foi primoroso, ao término da última palavra lançou um
golpe de espada sobre seu inimigo que dava sinais de que não conseguiria
detê-lo antecipadamente. Em resposta, o adversário apenas sorriu, bloqueando o
ataque com sua própria arma e, com o sucesso de sua defesa, empurrando meu
professor. Mas Tico persistia com fé:
— “Senhor,
a tua mão direita foi majestosa em poder. Senhor, a tua mão direita despedaçou
o inimigo. Em teu triunfo grandioso, derrubaste os teus adversários. Enviaste o
teu furor flamejante, que os consumiu como palha.” (Êxodo 15,7-8)
.
Tudo foi
muito rápido, meu professor empunhou sua espada em um movimento ágil que avivou
uma luz cruciforme, atingindo o adversário ainda se recuperando do baque
anterior, jogando-o longe com a força do impacto. Indo parar:
“Bem perto de mim!”
Entrei em
pânico! Seu rosto deformado era horrível, parecia em carne viva e ao mesmo tempo
como se não houvesse nenhuma chaga. Demorei a criar coragem e correr. Eu teria
conseguido escapar, não fosse ele me agarrar com força.
“Droga!”
Tudo o que
conseguia pensar era que aquilo não passava de um pesadelo e que logo eu
acordaria.
“Eu preciso acordar, preciso acordar!”
Por azar, não
acordei, estava preso em meu próprio pesadelo. Prometi a mim mesmo parar de ler
estórias fantásticas antes de dormir, pelo resto da minha vida! Tico olhou para
frente, se dando conta de que eu me tornara refém. Seu semblante, antes furioso,
transformou-se numa expressão alarmada:
— Soltei-o,
ele é um inocente! — disse ele, tentando se conter.
— Você se
importa com ele, profeta? Ah, é claro! Faz tempo que você está na Terra... Arrisco-me
a dizer que deve ter começado a gostar dela também. Diga-me onde está o garoto
e eu libertarei esse vermezinho.
— Já disse
que não sei de quem você está falando! Solte-o demônio, ou juro por tudo que é sagrado
que o inferno será um alívio comparado ao lugar em que irei te jogar!
— Profeta,
não me faça rir, eu vim de lá! Além disso, você sabe que o seu deus não tem
poder para me mandar de volta. Se não quer colaborar, terei de matá-lo então...
— Me leve
no lugar dele! — gritou Tico. — Prometo não reagir. Apenas solte-o e poderá
fazer o que quiser comigo.
— Oh, não
me diga! O grande profeta está me oferecendo seu bem mais precioso em troca de
um simples humano?
Eu não
podia acreditar no que estava ouvindo:
“Ele faria isso? Ele realmente faria isso?
Por mim?! Isso já está indo longe demais! Eu não posso permitir isso, ninguém
vai morrer aqui, definitivamente não!”
Vendo meu
professor se ajoelhar, entregando-se ao inimigo, fui consumido pela raiva. Onde
existia pânico e medo agora era preenchido por coragem e furor. Senti meu
coração angustiado ser sobrecarregado por uma força que eu nunca havia sentido
antes, um impulso que não cabia em meu peito, que me consumia por completo. Por
ventura, descobri o que fazer, concentrei-me e meu corpo todo brilhou,
obrigando a criatura disforme a me soltar com a forte luz.
Caí no chão,
estava drasticamente sem forças, não era capaz de ficar em pé. Eu não fazia
ideia do que tinha feito, nem de como fizera aquilo. A criatura me olhava, ela
sim entendera o que se passara, demonstrando ter apreciado o que vira. Seu
corpo, alimentando-se de seu ímpeto odioso, se transmutou, a forma meio humana adquiriu
um aspecto grotesco e descorado como os mortos-vivos que eu assistia nos filmes
com meu amigo:
“Meu Deus! O Pedro! Eu estava procurando por
ele, me envolvi em uma luta apocalíptica entre meu professor de história e um
demônio, e... Droga!”
Senti meu
braço machucado doer, aquilo não era um sonho. O demônio, por outro lado,
estava muito satisfeito:
— Não posso
crer! Eu queria um messias e encontro um garotinho adoravelmente fraco e
indefeso. Estou decepcionado profeta, esperava por mais...
O demônio
atiçou novamente os símbolos incandescentes de sua espada e me lançou um
sorriso sádico, seria um golpe certeiro, não havia como errar. Olhei para o lado,
meu professor corria em minha direção, não iria ser o suficiente para detê-lo...
Ao abrir os
olhos, esperava ver o paraíso. Contudo, lá estava Tico, na minha frente, com os
braços estendidos, olhando para mim. Seu rosto revelava um sorriso, embora
fraco, sóbrio. O sangue pingava, tingindo seu corpo de vermelho, juntamente com
aquele cheiro de carne queimada... Não haviam dúvidas, ele usara o próprio
corpo como escudo para me proteger.
“Justo eu, um aluno insignificante?! Eu não mereço isso... ELE não merecia isso...”
A vil
criatura gargalhou:
— Que
tocante, hahahah... — e sorrindo, preparou o corte final. — Que dia maravilhoso
para matar um profeta e seu messias... JUNTOS!
Meu
professor começou a fazer movimentos estranhos com a mão, dizendo:
— “Tu
chegastes até aqui, e daqui não passarás.” (Jó 38,11) “O Senhor é meu pastor e
nada me falta. Ainda que caminhe pelo vale da sombra da morte, não temerei mal
algum, por que tu estás comigo.” (Salmo 23,1.4)
Os sinais
com as mãos cessaram, senti uma onda de luz me envolver e se estruturar. Percebi
que aquilo era uma espécie de barreira:
“Isso é possível? Como ele está fazendo isso?
Por que ele está fazendo isso por mim? Ele está ferido e exausto, por que ele
não está dentro da barreira também?”
O demônio
veio em nossa direção:
— É inútil
profeta, olhe seu estado! Sua barreira não será capaz de impedir meu próximo
ataque — e berrando, completou. — NÃO SUBESTIME O PODER DE AZAZEL!!!
“Azazel? Então esse era o nome do meu
carrasco, o nome do demônio que queria tirar a minha vida?”
Aquele ser
começou a pronunciar algumas palavras indizíveis e sua espada tornou a ficar
vermelha. A lâmina ardente apontava para nós, uma esfera de energia surgiu de
sua ponta, aumentando cada vez mais até ser lançada como um raio. Tico foi
brutalmente atingido, indo ao chão e cuspindo sangue. Ele tentava em vão se
levantar e manter a guarda. Não havia mais esperanças, era o nosso fim.
Sem opções,
a lógica me fez decidir que iria encarar a morte de olhos abertos, a próxima
investida viria diretamente contra mim. Assim que havia aceitado o fato, alguém
se interpôs entre nós evitando o choque. Admirado, vi uma figura se formando
diante de mim segurando um grande escudo que curiosamente portava a imagem da
deusa grega Athena. Estranho dizer, o escudo teve o poder de refletir a energia
de Azazel de volta a ele como um espelho. O demônio, por sua vez, desviou-se
por pouco da ofensiva rechaçada. Processando toda aquela nova informação de que
eu ainda não estava morto, percebi que aquele que me protegera era Pedro e me
lembrei da raiva que estava sentindo, que precisava torturá-lo até obter as
respostas para as minhas perguntas, matá-lo se fosse preciso! Todavia, tive de
engolir o meu orgulho, quanto mais eu pensava, menos fazia sentido.
— Professor
— disse Pedro que o ajudava a se levantar. — Leve Sebastian daqui...
— Ficou
louco? Você não deve lutar contra ele sozinho, não tens experiência o
suficiente! — mesmo arfando, optou pela única saída. — Teremos de lutar juntos.
Enquanto
eles discutiam, consegui encontrar forças para minha voz sair:
— Eu não
vou a lugar nenhum! Quero saber o que está acontecendo aqui! Pedro, como é que
você se meteu nessa história toda e como assim lutar junto com o professor?!
Pedro nem
se incomodou com a minha presença, ele apenas respondeu:
— Não temos tempo para explicações, Sebastian.
Prometo lhe contar tudo depois.
“Quem ele pensa que é?!”
Eu teria
dito umas poucas e boas àqueles dois, não fosse aquele demônio com uma espada que
lança raios mortais querer me matar. Pedro investiu contra a criatura que nos
olhava com ódio. Com o baque, ele recuou sofrendo os efeitos do escudo. Tendo a
atenção da entidade demoníaca sido desviada, Tico uniu as mãos e tornou a rezar:
— “Mostra a
maravilha do teu amor, tu, que com a tua mão direita salvas os que em ti buscam
proteção contra aqueles que os ameaçam.” (Salmo 17,7) “Tua mão alcançará todos
os teus inimigos; tua mão direita atingirá todos os que te odeiam. Sê exaltado,
senhor, na tua força.” (Salmo 21,8.13)
Seu punho brilhou intensamente e com um soco
veloz acertou novamente o rosto de Azazel que voou para longe. Pedro pensou
rápido:
— Aproveite
e faça o exorcismo agora! Podemos não ter outra oportunidade contra o grande
demônio das armas!
— Sei quem
estou enfrentando, Pedro. Precisamos de mais para derrubá-lo! —do lugar em que
Azazel caiu, ouvimos um barulho. — Atenção!
Antes que o
meu professor de história pudesse continuar, Azazel levantou-se completamente
ileso. Apesar da força descomunal, aquilo só serviu para deixá-lo mais irritado.
Tico olhou para Pedro determinado:
— Segure o
demônio o máximo que puder, preciso de tempo para invocar um cântico — e juntou
as mãos novamente para se concentrar.
— Sem problemas!
Farei o que for preciso para detê-lo!
Com coragem
em seus olhos, Pedro observou ao redor para avaliar a situação. Mesmo estando
em desvantagem, sentia obstinação vindo dele ao vê-lo tomar a frente da batalha.
Olhei para o lado e vi Azazel imóvel e impaciente nos observando. Até decidir
agir:
— Não darei
tempo a vocês, os destruirei de uma vez e depois eliminarei seu messias!
O demônio
avançou com tudo contra nós. Embora fosse difícil prever aquela ação inesperada,
Pedro conseguiu deter o golpe, saindo com o escudo em pedaços. Recuando alguns metros
com o impacto, ele juntou as duas mãos e fez surgir do nada uma espada prateada
com escrituras brancas que resplandeciam intensamente. Por algum motivo eu era
capaz de entender o que estava escrito ali, e dizia: “Levanta-te Senhor!
Confronta-os! Derruba-os! Com a tua espada, livra-me dos ímpios” (Salmo 17,13).
Com a nova espada, Pedro revidou e, diferente do professor, Azazel parecia ter
facilidade em desviar dos golpes dele, na verdade, o demônio aparentava estar
apenas se divertindo com ele. No meio da luta, as duas lâminas se chocaram no
ar. Pedro forçou a espada o máximo que pode e, girando o corpo de imediato,
tentou acertá-lo. Em contrapartida, o demônio foi mais ágil, revidando com um
corte certeiro, marcando profundamente seu braço. Pedro estava ferido e eu
continuava preso naquela barreira de energia me sentindo furioso e frustrado. Gritei,
pedi para que me libertassem, e eles me ignoravam totalmente. Voltei meus olhos
para Tico que permanecia na mesma posição com as mãos espalmadas unidas. Apurei
meus ouvidos e pude ouvir o que ele dizia:
— “Aquele
que habita no abrigo do Altíssimo e descansa à sombra do Todo-poderoso pode
dizer ao Senhor: ‘Tu és o meu refúgio e a minha fortaleza, o meu Deus, em
quem confio’. Ele o livrará do laço do caçador e do veneno mortal. Ele o
cobrirá com as suas penas, e sob as suas asas você encontrará refúgio; a
fidelidade dele será o seu escudo protetor. Você não temerá o pavor da noite,
nem a flecha que voa de dia, nem a peste que se move sorrateira nas trevas, nem
a praga que devasta ao meio-dia. Mil poderão cair ao seu lado, dez mil à sua
direita, mas nada o atingirá...” (Salmo 91,1-7)
Azazel bombardeava
Pedro incessantemente e ele não conseguia fazer nada além de se defender. O
demônio queria mais:
— É o
melhor que consegue fazer invocador?
Ele estava
exausto e ferido, era evidente que ele não iria aguentar por mais tempo. Com o
que sobrou de sua força saltou para trás e, apoiando a mão direita no chão, continuou
recuando. Azazel contrariado, perseguia Pedro insistentemente e, por um acaso,
ele parou:
— Você
realmente acha que esse truquezinho funcionará comigo?!
Ouvindo-o
dizer isso, olhei para o demônio e um rosário surgiu no chão em volta dele,
paralisando-o. Pedro não disse nada, apenas continuou observando a reação de
Azazel que não pareceu preocupado com sua situação, ao contrário, mantinha a
frieza:
— Isso não
vai me segurar por muito tempo!
Sem demora
cravou sua espada no chão dizendo algumas palavras em uma língua desconhecida,
rompendo com o rosário. Pedro, exausto, não ficou perplexo como eu. Azazel se
preparava para um novo ataque e, vendo meu amigo esgotado, comecei a gritar
para que Tico o ajudasse. Ele permanecia na mesma posição:
— “Você
simplesmente olhará, e verá o castigo dos ímpios. Se você fizer do Altíssimo o
seu abrigo, do Senhor o seu refúgio, nenhum mal o atingirá, desgraça alguma
chegará à sua tenda. Porque a seus anjos ele dará ordens a seu respeito, para
que o protejam em todos os seus caminhos; com as mãos eles o segurarão, para
que você não tropece em alguma pedra. Você pisará o leão e a cobra; pisoteará o
leão forte e a serpente. Porque ele me ama, eu o resgatarei; eu o protegerei,
pois conhece o meu nome. Ele clamará a mim, e eu lhe darei resposta, e na
adversidade estarei com ele; vou livrá-lo e cobri-lo de honra. Vida longa eu
lhe darei, e lhe mostrarei a minha salvação.” (Salmo 91,8-16)
Ao término,
ele apontou para Azazel que ficou estático, sem conseguir se mover, e diversas
espadas luminosas fincaram-se no chão ao seu redor formando uma cela de luz
poderosa. Tico, exausto, foi ao chão:
— Vamos
fugir daqui agora!
O escudo
que me protegia se desfez. Acredito que seu poder mágico tenha simplesmente se
esgotado. Corri na direção de Pedro e, de repente, algo me atingiu...
...
*Textos bíblicos retirados da Nova Versão Internacional, encontrados no site:
http://biblia.com.br/novaversaointernacional/ para uniformizar as referências.
*Está escrito MESSIAS em hebraico na imagem que acompanha a história. Na verdade, a pronúncia correta seria 'mashíach', não 'messiah', forma americanizada de messias. A escolha para o nome do capitulo se deve a facilidade com que se identifica a palavra messias no título.
Conto muito interessante e que promete! Bem narrado e estruturado, dando margem para desdobramentos que minha imaginacao apenas cogita. Gostei de ver o texto com as citacoes biblicas.
ResponderExcluirEspero por mais.
Li todo o texto mas não me leve a mal...Pulei nas citações bíblicas. Em fim, adorei o texto, a luta, a trama! Azazel!!! Caramba!!! Então em breve você poderá estar enfrentando meu demônio favorito: Lúcifer!!!
ResponderExcluirEstou torcendo desde já para o lado demoníaco vencer essa guerra \õ/
kde o resto precisooo
ResponderExcluirO restante promete pelo que conheço o tesouro que tenho em casa!
ResponderExcluirAcho que essa é a primeira vez que vejo uma história sobre anjos (?) e demônios que realmente remete a história bíblica. Como já disseram, bem narrado e estruturado. Ansiosa pela continuação.
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