Deu alguns
passos e o observava atentamente, furtivo, calado, desviando o olhar para que
não fosse notado. Engolia a seco toda vez que o fitava, o coração palpitava,
quase saindo pela boca. Aquilo era difícil, entender aquelas sentimentalidades
tão obscuras, tão obscenas, tão fortes e destrutivas. Se fosse encarado agora,
ele choraria:
— O que
você está olhando? — simples, seco e direto. — Perdeu alguma coisa?
— Não,
nada... — respondeu olhando para o outro lado.
Sentia-se
constrangido, queria morrer, queria que um buraco se abrisse na sua frente e pudesse
fugir por ele. Estaria tudo acabado se fosse descoberto, o que ele faria? No
fundo, queria poder dizer, falar abertamente e dizer para o mundo todo o que
realmente queria. Esperou mais alguns segundos, tornou a olhar... ele ainda
estava voltado para ele:
— Diga
logo, quer um barato? São dez contos.
— N-Não...
— continuou andando, como se apenas tivesse errado o olhar.
Os próximos
metros de sua caminhada seriam penosos, a profusão de seus pensamentos o
atordoava, turvava sua visão, suas pernas tremiam. Quase cambaleando, dava um
passo de cada vez, duros, erradios. Chegou ao limite da calçada e parou para
olhar para os lados. Travou ao ver que ele o seguia. Desnorteado, deu um passo
em falso na rua. Um carro estava vindo.
— Ei! O que
há com você? ’Tá chapado?
Bruscamente
ele o puxara, o movimento fora tão súbito e imprevisível que, ao se ver em
seus braços, suas pernas fraquejaram e foi ao chão, levando ele junto:
— Diabos!
Você é doente ou o quê?!
Aquele
momento era especial, os dois estavam se olhando diretamente. Enrubescido,
baixou a cabeça e respirou fundo.
— O que
está esperando? Saia de cima de... — um estampido o interrompeu.
Levantou-se
sem maiores problemas, via o olhar atônito dele sem entender o que estava
acontecendo e sorrira abertamente. O farol abrira e atravessou para o outro
lado, deixando-o para trás, caído, com uma mancha vermelho se formando em sua
barriga.
A frente,
notou que estava sozinho, tirou a arma com silenciador do bolso e encostou-lhe
os lábios delicadamente, como num beijo:
— Eu te
amo... — continuou andando, a satisfação era plena, nunca se sentira tão vivo.
O outro,
que ficara na calçada, em seus últimos instantes pensara: “Achei que fosse um
cara legal...”
...